segunda-feira, 9 de julho de 2012

Cegos, surdos e mudos voluntários por Frederico Mattos

A velocidade que impomos no nosso cotidiano tem criado um efeito perverso em nossos sentidos.
Cada pessoa a sua maneira anseia por cada vez mais estímulo, ação, intensidade e fica como o cachorro faminto esperando o próximo osso.
Isso tem um custo alto para a nossa percepção: perdemos a noção do belo.
Feche os olhos e verá muitas coisas
O belo é algo que impacta o tipo de experiência nos 5 sentidos, já que nos eleva para além da realidade comum e nos alça à patamares mais sublimes.
Pouco saboreamos os alimentos, o que na maioria das vezes simplesmente nos faz engolir cada pedaço de comida sem saborear os sutis temperos que estão ali. A beleza nesse caso é o salivar das papilas gustativas quando enlaçam os sabores variados. A falta de beleza é quando processamos os alimentos como massas sem vida para aplacar uma angústia sem nome.
O toque que é tão importante para nossa pele tem sido negligenciado nos contatos artificiais de abraços e cumprimentos que cultivamos sem sentido. Estamos esbarrando em pessoas o tempo todo sem sequer absorver o impacto de cada choque. A beleza do tato é o calor trocado e da significância que damos ao beijo, ao abraço e à intimidade sexual. A feiúra está na frieza da pele e nos afagos de plástico totalmente descartáveis.
Quem nunca se emocionou com o cheiro da chuva que levanta uma poeira no começo da tarde ou com o perfume da flor dama-da-noite que anuncia o mistério do anoitecer. A beleza é poder respirar não só o ar abundante de oxigênio, mas perceber os delicados glóbulos olfativos que perdemos na pressa do cotidiano.
Nossos ouvidos urbanos já estão anestesiados para os sons camuflados atrás das buzinas que produzimos. Cada som sem sentido que emitimos é mais uma contribuição para a poluição sonora que nos ensurdece. Falar sem medidas, praguejar a vida, reclamar de tudo e maldizer os outros retira a beleza do som, que se torna ruído inútil nos ouvidos alheios. Beleza auditiva é reverberar a vida plácida ou festiva sem sequestrar o ouvido dos outros em paisagens mentais perturbadoras.
Beleza, portanto, vai muito além dos traços simétricos que emolduram a fisionomia da exuberante mulher. Os olhos também adoeceram em falta de beleza, porque nos rendemos a olhar mais do que ver. Nos apressamos em ver tudo sem o frescor da primeira vez como se os rostos fossem conhecidos e as imagens como paletas de cores jogadas nos olhos.
A beleza que tornamos vítima de preconceito e considerada superficial é mais essencial do que imaginamos. Numa vida bagunçada, cheia de ruídos, odores estranhos, apertos frios e imagens apressadas não seria de estranhar que encontrássemos feiúra que chamamos de vazio. As doenças modernas me parecem resultado dessa perda da contemplação silenciosa da beleza que eu, você e quase todos pessoas negligenciam em favor de uma supremacia pessoal
O tédio ou a ansiedade só existem no coração de quem (por necessidade de controle) se esqueceu que a beleza está à um passo. Num banho quente (no escuro) que agrada a epiderme, numa planta que embeleza o nariz, num prato degustado sem afeição, numa música que seja ouvida com cuidado exclusivo sem outros estímulos e numa roupa bem posta que pode delicadamente alegrar e vestir aquilo que chamamos de alma, ou sentidos plenamente satisfeitos.

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