quarta-feira, 9 de novembro de 2011

NÃO ME ACORDEM, POR FAVOR

 
Por Luisa Nucada
Ela falava de autoengano. Era para ser só mais uma palestra acadêmica, mas ela falou de gente, de sentimento, de mim e de todo mundo. Autoengano, sabe? Aquela história de adiantar o relógio cinco minutinhos para não se atrasar. Ou ouvir uma duvidosa proposta masculina e acreditar no velho “não vou fazer nada que você não queira”. Ou botar a culpa de suas falhas em algo externo, ou crer que o mundo é injusto e só lhe faltou a oportunidade certa. É uma inconsciente sabotagem da consciência para afastar a sensação de fracasso, é sua mente dando um materno tapinha no ombro e falando “você é a melhor, filha, os outros é que estão errados”.

Ela estalou os dedos na minha cara, tentando me acordar. Falou das automentiras que apaziguam o ego. Sim, o autoengano é cônjuge da autoestima. Desde o berço, somos adestradas a ouvir “quem é a menina mais linda do mundo?” e levantar os bracinhos. E o mundo desaba quando a princesinha do papai vai à escola e descobre que seu reinado está restrito ao portão de casa, que a Barbie da coleguinha é mais bonita e que a vida nem sempre é um torrão de açúcar. Mas vem a névoa etílica do autoengano e minimiza o mal estar.

Essa história toda me levou a reflexões ainda mais macambúzias. Lembrei dos meus professores mais brilhantes, amargos como bile. Pensei nos gênios da humanidade, todos loucos, suicidas, ermitões. E cheguei à indesejada conclusão, aquela que sempre quis evitar: ou se é muito inteligente ou muito feliz, nunca os dois ao mesmo tempo, impossível associar.

O intelectual não é alegre, o intelectual não joga o jogo do contente, o intelectual é blasé porque é intelectual. Entendam, falo do intelectual estereotipado, sim, uma burra generalização. O intelectual caminha só. As pessoas de horizonte estreito não conseguem viajar com ele. Não descodificam a mensagem, não interpretam os signos, não entendem as referências. Ao intelectual não lhe apetecem as pessoas rasas, por isso mergulha num isolamento cult, vira Robinson Crusoé da ilha da ilustração. Não há nada mais solitário que a rabugice da erudição.

A ignorância é uma algema de pelúcia. Prende, mas não machuca. Quando a visão é limitada, o desagradável permanece turvo. E se as sombras são falsas, meras projeções, ao menos entretêm. O conhecimento é denso, pesado como uma enciclopédia, tira a leveza da alma. Corta a embriaguez da alienação.

Às mentes muito afiadas talvez falte agudeza de espírito e simplicidade. Talvez falte a sabedoria de atribuir valor ao que realmente é valioso, de ver a grandeza do que aparenta ser pequeno. Talvez falte singeleza.

Chega, já tô ficando deprimida.

Pois bem, se assim for, se a senhora da palestra tiver razão, se tiver algum nexo a minha conclusão, escolho o conforto do não saber, a segurança dos olhos vendados. Quero viver um ignorante sorriso bobo, uma ilusão perpétua e um autoembuste infinito. Quero maquiar a feiura da vida e padecer até o fim dos meus dias do ingênuo complexo de Pollyanna. Não me acordem, por favor.

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